Um fracasso econômico chamado Brasil Império
I — Introdução
Como todo ano gosto de lembrar: o Brasil Império foi um fracasso em todas as dimensões possíveis, exceto nas expressões artísticas e culturais. Como hoje, dia 15 de novembro, representa a proclamação da República, então, juntando o útil ao agradável, resolvi escrever sobre um dos fracassos do período do Brasil Império: a economia. Para ser mais preciso: meu objetivo é visualizar o fracasso do Produto Interno Bruto per capita do Brasil Império! Dito isso, a seguir busco fazer um rápido passeio aleatório pelo panorama econômico do Brasil Império; os dados utilizado na confecção dos gráficos, tabelas e na análise em geral estão armazenados no banco de dados do IPEA, no Project Maddison Data Base, The Trans-Atlantic Slave Trade Database e no Recenseamento de 1872.
II — Contexto histórico: Síntese de algumas características macroeconômicas do Brasil Império
A dinâmica macroeconômica do Brasil Império, isto é, da independência, em 1822, até a proclamação da República em 1889, foi delimitada por dois quesitos fundamentais: em primeiro, o fator trabalho empregado na produção sendo composto na sua quase totalidade pela mão de obra escrava (a qual foi substituída paulatinamente pela mão de obra imigrante e por ex-escravos); e, em segundo, pela importância das exportações em sua dinâmica primário-exportadora[1] . Tal dinâmica exportadora era composta basicamente pelas exportações de café, açúcar, algodão, couro e, já no final do período imperial, pela exportação de borracha. O primeiro item, o café, em meados de 1889, chegou a representar 61,5% das exportações do Brasil Império; enquanto, em segundo lugar, as exportações de açúcar representavam 9,9% das exportações (Abreu, 2014, p.16–17).
Na tabela 1 pode ser visualizado a composição dos principais produtos das exportações no período imperial:
Com a Lei de 1831, Lei Feijó, o início do deslocamento para instituições inclusivas e equânimes, no mínimo, perante a lei, não passou de diplomacia para com a Inglaterra. O esfacelamento do tráfico de escravos, de fato, ganhou densidade com a Lei Eusébio de Queiroz; dando início, de forma gradual e ponderada, após muitas intempéries políticas e sociais, há uma tardia mudança institucional e das relações de produção[2] . Rumo ao “provinciano encontro tardio com o progresso’’ (Drescher, 1995, p. 116). Que acarretou, em 1888, com a Lei Áurea, na abolição da escravidão.
Enquanto no cenário político desenhava possibilidades de mudanças nas instituições formais, isto é, mudanças nas rules of the game (regras do jogos) configurando leis e legislações com novos incentivos, a produção e consequentemente a pauta exportadora passava por modificações efetivas[3] . As exportações de café, de 1830–1850, dinamizada pela região Sudeste (com o Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo) consolidou como o principal produto exportado. Na contramão, o açúcar que chegou a ser o produto mais exportado em 1820, compondo 30,1% das exportações brasileiras, de 1830–1850, sofreu uma queda acentuada e perdeu a dianteira como produto exportado — sendo o açúcar derivado, maciçamente, da região Nordeste[4] . Com essa dinâmica, a região Sudeste, em média, era a maior importadora de mão de obra escrava e a região Nordeste ocupava o segundo lugar (dados disponíveis em The Trans-Atlantic Slave Trade Database aqui)
Em outras palavras: da independência até a extinção do tráfico de escravos com a Lei Eusébio de Queiroz, em meados de 1850, o período foi marcado por um ritmo lento de expansão da pauta de exportação comparado com a segunda metade do século XIX, com a perda acentuada da participação do açúcar nas exportações e marcado pela ascensão do café como principal item de exportação.
Para quem quiser verificar as série históricas (desde da época imperial até o século XXI) para cada item da composição das exportações, recomendo fortemente os dados armazenados no banco do IPEA, aqui. Para visualizar a ascensão do café, após importar o arquivo ipeadata[15–11–2020–01–33] com os dados, pode-se limpar, filtrar e organizar os dados e, por fim, plotar um gráfico de série histórica representando as exportações de café (em sacas de 60Kg).
Segue o código e em seguida o gráfico:
Terminamos essa primeira parte, com uma imagem sintética do Brasil Império. Um país do século XIX dependente de suas instituições extrativas da escravidão, sofrendo pressão externa por isso e, por fim, dependente da sua relação primário-exportadora, não obstante, alcançando o posto de maior player na exportação de café do globo terrestre. É um imagem sintética, pois captura apenas os pilares fundamentais da economia do Brasil Império. Pilares construídos com base em um população com mais de 80% de analfabetos e com mais de 1,5 milhões de escravos (Recenseamento 1872). Feito isso, passo para meu objetivo!
II — E o Produto Interno?
Brasil, em meados do século XIX, trilhava um caminho diametralmente oposto aos países que compunham o rol da Segunda Revolução Industrial e, até mesmo, da primeira Revolução. Apesar de ter, como já mencionado, alcançado o posto de maior player na exportação de café, estava longe economicamente de seus concorrentes: tanto em fator capital (mantendo baixa tecnologia) quanto em fator trabalho (com baixo capital humano, isto é, baixa qualificação da mão de obra, com baixa escolaridade, com mais de 80% de analfabetos). É impossível escrever sobre o fator trabalho no período imperial e não mencionar que além do baixo capital humano, com o interrompimento do tráfico escravo, o Brasil passou novamente por escassez de mão de obra. Elevando o preço do escravo(ver, Lago, 2014). Até o mercado de trabalho reajustar com a importação de mão de obra e imigrantes e com outros fatores
O leitor que está acostumado a pensar economicamente dentro de funções de produção, consegue no mínimo deduzir que com baixa tecnologia ligada ao capital, com baixo capital humano da mão de obra e com instituições extrativas o resultado mais provável seria uma baixa produtividade ou no mínimo um baixo produto interno. Com o monumental trabalho do Project Maddison Database (verão 2018) conseguimos extrair que o crescimento estimado para o período imperial fica entre 0,3%-0,4%; com um PIB per capita não ultrapassando a casa dos US$ 1.000 (em dólar de 2011, preço constante). Resultado esperado, dado o contexto exposto anteriormente.
Dito isso, à guisa de conclusão, vou importar os dados do Project Maddison Database para visualizar o comportamento do desempenho econômico do Brasil e fazer algumas comparações. As comparações serão feitas com base nos países que têm dados disponíveis. A seguir pode-se observar o desempenho do PIB per capita (US$ 2011) em comparação com o Chile e Venezuela.
Aqui vou adicionar o Reino Unido e fazer um boxplot para podemos visualizar algumas das métricas de estatística descritiva
Para torna a brincadeira mais interessante, vamos ver qual dos países mantém uma melhor (maior) correlação com o PIB do Reino Unido? A matriz de correlação pode ser visualizada a seguir:
Por óbvio e como esperado, de um país que não ultrapassou a casa dos US$ 1.000 de PIB per capita no período Imperial, entre os países selecionados para comparação, foi o que mostrou menor correlação.
Segue os códigos dos últimos gráficos
Notas:
[1] Sobre a escravidão, ver Costa (2008); Lago (2014). Sobre a economia primário-exportadora, ver Abreu (2014, 1º capítulo); Furtado (2007).
[2] Para uma discussão mais abrangente sobre os desdobramentos políticos e sociais até a abolição, ver Costa (2008).
[3] Como ressalta North (2010, p. 15): “Instituições formam a estrutura de incentivos de uma sociedade, e as instituições políticas e econômicas, em consequência, são os determinantes subjacentes do desempenho econômico”. Sobre instituições, ver North (2010, 1994, 1990).
[4] A soma de Pernambuco e Bahia serão utilizadas ao longo do artigo como proxy para a região Nordeste.
Referência Bibliográfica
ABREU, M. de P. A (Org). Ordem do progresso: dois séculos de política econômica no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.
COSTA, E. V. da. A abolição. São Paulo: editora UNESP, 2008.
DRESCHER, S. A abolição brasileira em perspectiva comparativa. História Social, n. 2, p. 115–162, 1995).
FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
LAGO, L. A. C. do. Da escravidão ao trabalho livre, 1550–1900. São Paulo: Cia das Letras, 2014
NORTH, D. Custos de Transação, Instituições e Desempenho Econômico. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1994.
______. Desempenho econômico através do tempo. Revista de Direito Administrativo, v. 255, p. 13–30, set./dez. 2010.
______. Institutions, Institutional Change and Economic Performance. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.